Homenageado Especial do GP 2005 – Dercy Gonçalves
“A velhice está na cabeça, no calendário. Eu acho uma glória chegar aos 90 anos. Pouquíssima gente os completa. Por que então eu os esconderia? Afinal, quem já tem mais de noventa ficar pechinchando dois ou três é dose…” Bom, isso dizia Dercy Gonçalves há 8 anos. Imagine o que ela dirá daqui a 2 anos quando completar seu centenário. Certamente mais um comentário bem humorado da filha ilustre da cidade fluminense de Santa Maria Madalena e personagem da história do cinema brasileiro.
Dercy, nascida Dolores, na verdade preferia usar o nome artístico de Darcy, mas temendo problemas com a esposa do presidente Getúlio Vargas que assim se chamava, mudou uma letra e iniciou sua carreira como cantora fazendo dupla com Eugênio Pascoal que conheceu em Conceição de Macabu, depois de ter fugido de casa. Com ele, fez turnê pelo interior de Minas Gerais e São Paulo. Mas foi em um número ao lado da dupla Jararaca e Ratinho que sua veia cômica ficou conhecida pelo público. Daí para as revistas de Walter Pinto e Jardel Jércolis e para o cinema foi apenas um caminho natural.
Ao lado de Ankito, Grande Othelo, Zé Trindade, Violeta Ferraz, Oscarito, Anselmo Duarte e José Lewgoy, Dercy estrelou Samba em Berlim, Caídos do Céu, Depois Eu Conto, Uma Certa Lucrécia, Cala a Boca, Etelvina, Dona Violante Miranda e Se Meu Dólar Falasse escrevendo a história de um gênero que marcou a popularização do cinema brasileiro: a chanchada. Pouco importava se a intelectualidade não via com bons olhos esse tipo de produção com seus personagens debochados e irônicos, qualidades que em Dercy se somavam ao obsceno na gestualidade e na fala. E isso já na década de 40, em uma mulher vinda do interior, mas despreocupada com a opinião alheia, pelo menos as moralistas, porque ao público ela agradava. Com ele havia identificação e apenas isso importava.
Revelava-se no comportamento debochado e autêntico, o talento de uma artista que criou um estilo de comédia tipicamente brasileira que aposta no improviso, no “caco” e na malícia para construir seus personagens. Personagens que em Dercy se confundem com a própria atriz, pois quem mais, sendo mãe a avó, desfilaria mostrando os seios em um carro alegórico na Avenida Marquês de Sapucaí, em pleno carnaval ao lado de modelos esculturais? Bom, se não tivesse coragem, ela teria ficado em Santa Maria Madalena. Lá, desde cedo, Dercy escandalizava a população na bilheteria do cinema onde trabalhava por pintar o rosto como as atrizes dos filmes mudos. Ou então, por dançar para alegrar os hóspedes do Hotel dos Viajantes em troca de um prato de comida. Mas tanto talento precisava de mais do que isso. Precisava sair pelo mundo. Ainda bem! Dercy Gonçalves pode assim provocar deliciosas gargalhadas em quem a viu imitar Carmem Miranda coçando o corpo todo. Ou ironizar o caminhar manco de Orlando Silva e o Jeito dramático de Vicente Celestino.
Mesmo se autodenominado uma “dama marginal”, Dercy colecionou em seu currículo mais de 36 filmes, programas e novelas de televisão desde 1957 e deu, generosamente, à história artística do Brasil momentos de glória e brilho ao qual só temos que agradecer e reverenciar.